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segunda-feira, 5 de março de 2018

Inteligência artificial vai mudar todos os relacionamentos humanos

Para historiador, Google, Facebook e Amazon competem em revolução digital e redes sociais ficam arcaicas

O historiador Andrew Keen, durante debate da União Europeia - Mélanie Wenger/ DLD

Folha - Seus livros e artigos são um alerta sobre os perigos da internet há uma década. Como vê a rede mundial hoje?

Andrew Keen - Tenho uma visão histórica sobre a revolução digital e a vejo como outras grandes mudanças tecnológicas e culturais do passado, como a Revolução Industrial e a Reforma Protestante, mas já não gosto mais de usar essa palavra internet. 

A internet está em todos os lugares hoje em dia e provocou uma mudança profunda na forma como aprendemos, conversamos e administramos governos e os negócios.

É uma mudança tão forte quanto a Revolução Industrial, com a diferença que já não há crianças trabalhando em fábricas que cospem fumaça nem o surgimento de uma nova classe proletária.

Em vez disso, as empresas de tecnologia se tornaram as mais ricas e poderosas do planeta e estão todas concentradas na costa oeste dos Estados Unidos. Isso gerou outros níveis de riqueza e figuras como Jeff Bezos, o dono da Amazon que é talvez o homem mais rico da história.

Os humanos podem se tornar obsoletos no futuro próximo?


Não penso isso, mas precisamos entender o que está acontecendo e desenvolver novas formas de agir. Na era das máquinas inteligentes e dos algoritmos, precisamos entender o que só os humanos ainda conseguem fazer.

Leia a entrevista completa na Folha de S. Paulo

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Livro, um objeto de riqueza inesgotável


Em entrevista à FaustoMag, o crítico literário Rodrigo Gurgel fala sobre leitores em redes sociais e leitura digital:

Redes sociais podem ser consideradas bons espaços para a formação de um leitor?
Não. Uma rede social é apenas o que seu próprio nome expõe: um entrelaçado de relações sociais que se formam e se desfazem no contexto de diferentes espaços virtuais. São ótimas redes de comunicação, de troca de ideias. Mas são ótimas também para desviar nossa atenção e impedir que nos tornemos bons leitores, que leiamos o que realmente importa.

É uma batalha inglória a das livrarias contra os sites de download gratuito de livros?
Não creio. O livro assumiu, em nossa cultura, um papel crucial — e mantemos com ele uma relação sensorial e, ao mesmo tempo, de confiança no seu poder de preservar a cultura e abrir, de forma constante, novas perspectivas de estudo, de conhecimento. Eu próprio utilizo diferentes aparelhos para leitura de e-books, mas o contato com o livro permanece insuperável — em termos de prazer, de facilidade de acesso e de indexação do conteúdo estudado. Considero o livro um objeto de riqueza inesgotável.


Leia a entrevista na íntegra, aqui: http://bit.ly/2oFRPKM

quinta-feira, 16 de março de 2017

“A Wikipédia é uma ferramenta de ensino eficaz”

LiAnna Davis fala sobre o potencial educativo da plataforma livre e sobre o programa que coloca alunos universitários para editar verbetes

Thais Paiva | Carta Educação

Ao editar verbetes, alunos têm a chance de interagir com pessoas de todo o mundo

Sexto site mais visitado do mundo, com aproximadamente 500 milhões de visitantes únicos todo mês, e um acervo que ultrapassa o de qualquer enciclopédia impressa, a Wikipédia é hoje a maior comunidade colaborativa de conteúdo livre do mundo. Apesar disso, ou talvez por conta disso, seu uso como fonte confiável de pesquisa é ainda questionado.

O julgamento, no entanto, não poderia estar mais equivocado, defende a americana LiAnna Davis, diretora de programas da Wiki Education Foundation. “Quando os estudantes aprendem a navegar pela Wikipédia, eles têm acesso a uma fonte riquíssima de informação. Ao invés de proibir o uso da Wikipédia em pesquisas, os professores deveriam ensinar os alunos a como utilizar a plataforma de forma efetiva”, diz.

Em visita à São Paulo, onde palestrou a convite do centro de pesquisa NeuroMat, da USP, LiAnna falou sobre a necessidade de desmistificar a ferramenta e integrá-la à educação. Também comentou sobre uma iniciativa pioneira que coordena nos Estados Unidos, na qual professores e alunos do Ensino Superior se unem para melhorar o conteúdo disponível sobre diversos tópicos na versão em inglês da enciclopédia.

Carta Educação: É comum a ideia de que a Wikipédia não é uma fonte confiável de informação. Por que essa concepção prevalece e como mudá-la?

LiAnna Davis: Creio que essa ideia vem do fato de qualquer um poder acrescentar ou editar um verbete na plataforma. Logo, as pessoas pensam: como é assegurado que a informação contida ali é confiável? Mas o que elas não compreendem é que a comunidade de editores da Wikipédia desenvolveu uma série de estratégias e diretrizes que sinalizam se aquele é ou não um bom verbete. Por exemplo, verbetes de baixa qualidade possuem um aviso no topo alertando que alguns pontos são duvidosos, que faltam citações e outras coisas do gênero. Então, claro, existem verbetes muito confiáveis e de alta qualidade na enciclopédia, mas também há outros não tão bons. Ao invés de proibir o uso da Wikipédia em pesquisas, os professores deveriam ensinar os alunos a como utilizar a plataforma de forma efetiva. Quando os estudantes aprendem a navegar pela Wikipédia, eles têm acesso a uma fonte riquíssima de informação e oportunidade de aprendizado. Na versão em língua portuguesa da plataforma, por exemplo, são 1 milhão de verbetes disponíveis. Para se ter uma ideia de comparação, a enciclopédia inglesa possui apenas 40 mil.

CE: Você diz que a Wikipédia e a Educação têm tudo a ver. Como os alunos podem usar a plataforma em suas pesquisas?

LD: A Wikipédia como uma enciclopédia virtual é uma ótima fonte preliminar de informação. Se você está começando a pesquisar um determinado tópico, poderá abrir a Wikipédia e ter uma visão geral do assunto muito valiosa. Se você precisa de informações rápidas e pontuais como “onde essa pessoa nasceu” ou “qual era sua profissão”, a informação que está lá com certeza é confiável e te servirá perfeitamente. Além disso, há uma série de notas de rodapé e referências que te levam para as fontes primárias e secundárias de pesquisa. É claro que você não deveria colocar a Wikipédia como a bibliografia do seu estudo, pesquisa, mas é um ótimo começo para ter essa visão genérica do assunto e então se aprofundar. No entanto, ela não deve ser sua única fonte de informação. O estudante deve sempre recorrer a outras fontes para ter um quadro mais abrangente do assunto que está investigando.

CE: Como funciona o programa desenvolvido pela Wiki Education Foundation que coloca professores e estudantes universitários para editar verbetes da plataforma?

LD: Começamos o programa em 2010 nos Estados Unidos e, nesses últimos sete anos, temos crescido bastante. Cada vez mais, novos professores universitários aderem ao nosso programa e integram a Wikipédia com as ciências ensinadas em suas salas de aula. Funciona assim: os docentes participantes pedem para que seus alunos adicionem conteúdo a artigos sobre o curso na Wikipédia. Para isso, passam por um treinamento online onde aprendem como utilizar a Wikipédia como uma ferramenta de ensino e então criam uma página de seu curso conosco. Hoje, apoiamos 300 classes nesse modelo, envolvendo cerca de 7 mil alunos do Ensino Superior. Nós, da Wiki Education Foundation, não somos especialista nos assuntos de todas essas classes, mas somos especialistas em Wikipédia e orientamos os professores que, por sua vez, proveem suas expertises nos tópicos e asseguram que os conteúdos adicionados pelos alunos são de alta qualidade e confiáveis. Nesse processo, os alunos também recebem treinamento online e diretrizes para que possam fazer contribuições valiosas para a plataforma. Além disso, temos uma equipe de apoio disponível para responder perguntas que os estudantes possam ter, rever o trabalho deles e assim por diante. Para participar do programa, professores e alunos podem entrar em contato conosco por meio do nosso website.

CE: Quais são os ganhos que os estudantes têm ao participar desse programa?

LD: Os estudantes aprendem pontos-chave para desenvolver habilidades relacionadas à alfabetização mediática, escrita, pesquisa, comunicação online e trabalho colaborativo, pois geralmente eles trabalham em conjunto com colegas. Além disso, ao editar os verbetes, eles têm a chance de interagir com pessoas de toda a parte do mundo. O público de seu trabalho deixa de ser uma pessoa só, o professor, e passa a ser toda a comunidade global, o que é muito mais impactante. Para os professores, os ganhos são alunos muito mais engajados com seu trabalho acadêmico, pois quando estão escrevendo para a Wikipédia não o fazem apenas para conseguir uma nota, mas para ajudar pessoas que realmente vão ler e usar aquilo. Logo, eles costumam despender muito mais tempo e esforço nesse tipo de atividade, pois a julgam útil. A Wikipédia é uma ferramenta de ensino eficaz.

CE: No ano passado, a Wiki Education Foundation desenvolveu o projeto Ano da Ciência. No que consistiu?

LD: Nós nos focamos em melhorar a qualidade da informação sobre Ciências disponível na Wikipédia em inglês. Para isso, lançamos uma campanha para trazer publicidade e atenção para a defasagem de conteúdo nesse tipo de área e convencer os alunos a trabalharem nisso. Conseguimos mobilizar cerca de 6 mil estudantes que editaram quase 5 milhões de conteúdos científicos, o que é equivalente a 3,5 volumes impressos da última enciclopédia britânica. Então foi um impacto gigante que os alunos promoveram na Wikipédia.

CE: Fora isso, houve também um esforço para promover a igualdade de gênero na plataforma. Como foi?

LD: Dentro do Ano da Ciência, queríamos focar também no aumento do número de biografias de mulheres cientistas na Wikipédia em inglês. Com a campanha, fomos capazes de acrescentar 125 novas biografias de mulheres cientistas durante 2016 e o trabalho continua nesse sentido. Fora da área da ciência, temos uma parceria com o Natural Women’s Studies Association, que é uma associação acadêmica nos Estados Unidos que congrega professores que ensinam estudos relacionados à mulheres e gênero, como Gênero e Comunicação e Feminismo. A associação encoraja esses professores a participar do nosso programa, o que é muito importante dado que 90% dos editores da Wikipédia são homens. Essas pessoas estão desenvolvendo um trabalho importantíssimo e ajudando a equipar a cobertura desigual sobre mulheres na plataforma. No nosso programa o cenário já começa a se nivelar, já que 68% dos nossos editores são mulheres.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Comunicação Científica na Web e na América Latina: Entrevista com Isidro Aguillo


Reconhecido como autoridade internacional nas questões relacionadas à bibliometria, cientometria e webometria, Isidro Aguillo concedeu entrevista (por e-mail) à equipe do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP (SIBiUSP), onde compartilhou alguns de seus pontos de vista sobre a visibilidade acadêmica e científica na web, impacto da ciência e o futuro da comunicação científica. Antes, saiba um pouco mais sobre esse importante pesquisador, suas atividades e projetos.

Nascido Isidro Francisco Aguillo Caño em La Rioja, Espanha em 1963, licenciou-se em Biologia com especialização em Zoologia, é mestre em Informação e Documentação, diplomado em Estudios Avanzados (DEA), detentor de dois títulos Doctor Honoris Causa. É membro regular de comissões científicas de conferências e revistas científicas, autor de numerosas publicações sobre os processos de comunicação científica e indicadores web de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, quase que diariamente compartilha suas opiniões no Twitter

Editor do Rankings Web de Universidades - Webometrics, responsável pelo Laboratorio de Cibermetria (Grupo Scimago) do Instituto de Bienes y Políticas Públicas (IPP - CSIC), dedica-se também a projetos como o OpenAIRE - de repositórios da Comissão Européia, ACUMEN - portfolio de indicadores científicos para indivíduos do VII Programa Marco de Inovação e Desenvolvimento da União Européia (UE); QEAVIS (Seção eHumanidades); Redes de Colaboración (Visibilidade Web) e PRACTIS 2008 (Tecnometría de CC SS e HH) do Plano Nacional de Inovação e Desenvolvimento da Red de Excelencia MA2VICMR da Comunidade de Madrid, Espanha. 

Ornitólogo aficionado, já fez várias viagens de observação de aves, da Floresta Amazônica aos desertos da Namíbia, entre outros destinos. Sua lista inclui mais de 2.000 espécies. Em 2012, foi um dos palestrantes convidados pelo SIBiUSP para o Simpósio Internacional sobre Rankings Universitários e Impacto Acadêmico na Era do Acesso Aberto, em São Paulo, Brasil, que reuniu especialistas internacionais e possibilitou a discussão em torno do impacto gerado pela produção científica e os indicadores de qualidade institucionais. Confira a entrevista. 

SIBiUSP: Você é pesquisador do Cybermetrics Lab, ligado à Agencia Estatal Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC). Conte-nos um pouco sobre este laboratório e seu papel na estrutura de Ciência e Tecnologia (C&T) da Espanha.

Isidro Aguillo: O Cybermetrics Lab é um grupo de pesquisa pertencente ao CSIC, o mais importante organismo de pesquisa pública da Espanha e um dos maiores da Europa. Nossa principal missão é estudar a comunicação científica na Web, publicando artigos e relatórios sobre esse tema em nível local e global, mas com um forte interesse na América Latina [LATAM]. Também acolhemos doutorandos e visitantes de pós-doutorado, e estamos envolvidos em projetos da União Europeia (UE).

SIBiUSP: O Cybermetrics Lab desenvolveu e mantém ferramentas de avaliação, como o Webometrics Ranking, o Ranking Web de Repositórios e, mais recentemente, a lista de Autores com h> 100 segundo seu perfil no Google Scholar Citations¹ .
     - De que maneira essas ferramentas são distintas de outras disponíveis?

Isidro Aguillo: A diferença mais óbvia é que estamos usando indicadores da web, sozinhos ou combinados com dados bibliométricos. Mas há também uma agenda “política”, pois decidimos cobrir todos os países em nossa análise, não apenas os desenvolvidos. Nossas listas de instituições possuem mais de 40.000 entradas, enquanto o número de indivíduos classificados é provavelmente perto de 200.000, com uma cobertura completa dos países latino-americanos [LATAM].

SIBiUSP: O Google Scholar é uma fonte de dados confiável?
Isidro Aguillo: Verificando a literatura disponível sobre este banco de dados, a maioria dos estudiosos concorda que é tão confiável como WoS ou Scopus, mas com uma cobertura que é várias vezes maior e considerando que é de livre acesso, eu acho que deveria ser a opção preferida para os países latino-americanos. Claro, existem problemas, como os indicadores de revistas científicas do Google Scholar Metrics que, na minha opinião, são demasiado tendenciosos para serem úteis.

SIBiUSP: Qual é a real importância dos rankings universitários?

Isidro Aguillo: Para nós, tem sido uma ferramenta poderosa para promover iniciativas de acesso aberto, que foi (e ainda é) o objetivo original dos Rankings Web. Outros editores de rankings têm outras agendas com fortes vieses políticos e comerciais e há até charlatões sem qualquer conhecimento real sobre o ensino superior e sobre as universidades. Mas no final há uma grande sobreposição entre os melhores desempenhos dos principais rankings, por isso há poucas dúvidas sobre quais são as melhores universidades de acordo com determinado modelo - as chamadas universidades intensivas em pesquisa. No entanto, as instituições que seguem outros modelos, como as universidades nacionais, que são tão importantes na América Latina, não são adequadamente reconhecidas nos rankings ARWU [Academic Ranking of World Universities], THE [Times Higher Education World University Rankings] ou o QS [Quacquarelli Symmonds World University Rankings].

SIBiUSP: Muitos pesquisadores consideram as Ciências Humanas periféricas no campo das ciências. Isso se deve às diferentes dinâmicas de produção de conhecimento, que dificultam a mensuração pelos padrões atuais de avaliação científica.
    - Neste sentido, que alternativas teríamos para demonstrar o potencial desta área e quais os indicadores que poderiam ser utilizados?

Isidro Aguillo: Discordo fortemente dessa afirmação. Como mostra o Google Scholar, as contribuições das Humanidades não são apenas relevantes, mas têm um impacto independente dos canais de publicação. A bibliometria fácil realizada por estudiosos com a base de dados WoS é realmente errada em muitas disciplinas devido aos grandes vieses e lacunas das bases de dados “tradicionais”.

SIBiUSP: Tendo em conta que os atuais modelos de avaliação científica tendem a enfatizar as citações em vez dos resultados reais, uma alternativa a esta questão seria medir o impacto das pesquisas científicas na sociedade. Desta forma, como poderíamos medir o impacto social?

Isidro Aguillo: Em primeiro lugar, acho que as citações ainda têm um papel importante nos processos de avaliação e não devem ser descartadas. No entanto, elas devem ser utilizadas em combinação com métodos qualitativos como o Manifesto de Leiden recomenda. Os indicadores altmetrics² podem ser úteis também, mas eu acho que os atuais indicadores disponíveis estão realmente longe de medir verdadeiro impacto social. Os bibliotecários passaram por alto de outra disciplina de métricas que deve ser explorada em profundidade para tal propósito: Econometria. Como método, não apenas como forma de incorporar fontes de dados econômicos.

SIBiUSP: Em sua recente apresentação, você destacou a importância dos perfis de autores, instituições e grupos de pesquisa, que representam uma mudança de paradigma na ciência e na comunicação científica.

Isidro Aguillo: Devemos abandonar as métricas baseadas em revistas que não são úteis e são muito enganosas para os processos de avaliação, um grave erro comum na América Latina. O perfil é o futuro e a marca digital do pesquisador se tornará cada vez mais importante, por isso novas estratégias de comunicação devem ser desenvolvidas, especialmente aquelas que envolvem redes sociais.

SIBiUSP: Neste cenário, como fica a revisão por pares, elemento fundamental da validação da qualidade da pesquisa? E o que acontece com o papel do marketing? Poderá desvirtuar a avaliação da qualidade da ciência?

Isidro Aguillo: Tenho sérias dúvidas sobre o papel da revista tradicional como a principal unidade de comunicação científica. O esforço deve ser no sentido de fortalecer os artigos individuais, e a revisão por pares aberta é uma boa opção para identificar e filtrar a qualidade. Existem vários modelos que podem ser aplicados, mas minhas preferências vão para um híbrido de revisão por pares pré e pós-aberta.

Desde o passado o prestígio tem sido um motor para a mobilidade acadêmica, e é um fator chave para explicar o sucesso das instituições anglo-saxônicas. Até muito recentemente este recurso intangível era construído de uma forma muito opaca, mas agora a marca digital de cada pesquisador oferece uma maneira mais acessível e transparente para construí-lo, embora a confiabilidade dos métodos de marketing possa ser um problema.

SIBiUSP: Tendo em conta este pano de fundo, qual seria o futuro da publicação científica? Estaremos publicando em revistas como fazemos hoje?

Isidro Aguillo:  Acho que o grande problema da ciência latino-americana é a inflação de revistas científicas. Redalyc, Scielo, Latindex e PKP [Public Knowledge Project] devem repensar seriamente suas políticas, pois promovem um enorme aumento de periódicos medíocres. Também na América Latina não há diretórios de assunto ou megajournals que deveriam ter um papel na transição para um cenário sem revistas. Também me preocupa o foco atual dos repositórios latino-americanos em teses e dissertações e artigos em revistas locais. Outra questão que necessita de mais debate é a preferência dos repositórios / coletores de conteúdo nacionais relativamente aos repositórios institucionais. Para minha surpresa um grande número de repositórios institucionais na América Latina coletam principalmente teses e dissertações (Doutorado e Mestrado). Parece que muitas universidades pensam que apenas teses são de acesso aberto ou talvez publiquem poucos artigos em revistas não-locais.

SIBiUSP: Como você vê o crescimento das recentes métricas alternativas na avaliação da pesquisa e dos pesquisadores?

Isidro Aguillo: Há muitos artigos na América Latina descrevendo muito acriticamente o movimento altmetrics². Há muita ênfase nas métricas de uso que podem ser muito enganosas sem fixação de padrões, e os indicadores fornecidos por serviços como ResearchGate, Academia ou Mendeley de forma alguma substituem a análise de citação (provavelmente tais indicadores sejam um subconjunto da análise de citação); e o indicador composto oferecido pela [empresa] Altmetric.com é uma caixa preta, e ninguém sabe exatamente o que o Twittermetrics está realmente medindo.

SIBiUSP: Na sua opinião, qual é a importância da Ciência Aberta? Ela é realmente viável ou será “destruída” pelos interesses comerciais? Como vê as ameaças ao acesso aberto?

Isidro Aguillo: Cada um dos componentes da Ciência Aberta (incluindo até mesmo a Ciência do Cidadão - Citizen Science) já está sendo alvo de interesses comerciais. Os bibliotecários estão contribuindo com a aquisição ou suporte de ferramentas comerciais e serviços com condições desvantajosas ​​(nada de novo nisso, uma vez que as condições de assinaturas digitais já são bastante abusivas). Em minha opinião, para evitar problemas, a Ciência Aberta deve ser fortemente apoiada por governos envolvendo um vigoroso financiamento público de infraestruturas e ferramentas.

SIBiUSP: Qual é o papel das bibliotecas e bibliotecários no atual cenário de mudança da avaliação científica?

Isidro Aguillo: Na Europa, os bibliotecários acadêmicos já constituem o maior grupo bibliométrico existente, mas ainda há muitos problemas - muitos deles não conhecem o Manifesto de Leiden, por exemplo. Na América Latina temos iniciativas equivocadas como a bibliografia do Redalyc, outras com viabilidade futura incerta como o acordo Scielo-WoS, e em geral a maioria de seus bibliotecários ainda não estão assumindo um papel bibliométrico. Se posso dar um conselho, sugiro-lhes o modelo CRIS [Current Research Information System], evitando produtos comerciais como PURE e analisando serviços como o FUTUR (da Universidade Politécnica da Catalunha).

Notas:
1. h = índice h, mede a produtividade e o impacto individual de cientistas através do número de publicações e suas citações. Saiba mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_h
2. Indicadores altmetrics = medidas de indicadores alternativos (em português: altmetria) baseadas no uso e nas menções nas mídias sociais. Saiba mais em: https://bsf.org.br/2014/07/15/altmetrics-redes-sociais-como-metricas-alternativas-para-medir-o-impacto-cientifico/ 

via SIBiUSP

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Robert Darnton, um autor entre o passado e o futuro

"Não acho que seja exagero afirmar que a revolução digital é ainda mais revolucionária do que foi a da imprensa, com Gutenberg"

Robert Darnton, um autor entre o passado e o futuro harvard/Divulgação

Por: Carlos André Moreira | Zero Hora

O historiador americano Robert Darnton esteve em Porto Alegre em 2007 e em 2016. Entre as duas visitas, passou-se quase uma década, tempo suficiente para que Darnton, um dos maiores especialistas na história e nos processos do livro no século 18, se tornasse um homem cujas inquietações se dividem entre o passado e o futuro. Por um lado, seu interesse pelo primeiro não diminuiu, como prova seu livro mais recente, Censores em ação, uma comparação entre estruturas de censura oficial em três cenários e tempos diversos. Por outro, anda cada vez mais interessado em que será feito do livro (e do conhecimento nele contido) na era da revolução digital - tema de sua última conferência.

- Muita coisa aconteceu nesses anos. Não acho que seja exagero afirmar que a revolução digital é ainda mais revolucionária do que foi a da imprensa, com Gutenberg. Por isso, o assunto de minha conferência foram alguns dos problemas mais básicos que enfrentamos enquanto nos dirigimos para o futuro digital. Um deles é o risco de comercialização, o perigo de que os negócios tomem a internet e os monopolizem - diz, em entrevista por telefone.

É um tema que Darnton, 77 anos, já abordou em A questão dos livros, em que discute o futuro do livro e, principalmente, das bibliotecas, alertando para os problemas que o gigantismo de uma empresa como o Google, com seu projeto de digitalizar e absorver todos os livros já impressos, vem provocando na gestão e no compartilhamento do conhecimento produzido dentro das universidades americanas. Para ele, o Google, embora a empresa não goste do termo, é "um novo tipo de monopólio, não de ferrovias ou aço, mas de acesso à informação".

- Quero falar em geral sobre questões de copyright, mercantilização, defesa do acesso aberto à informação, os problemas pela inflação galopante no preço dos periódicos científicos, uma série de problemas que estão interconectados e que precisamos resolver se queremos que o futuro digital seja realmente democrático - antecipa.

Mas, na visão de Darnton, não são apenas as iniciativas empresariais que ameaçam a livre circulação de opiniões e de conhecimento na rede, mas também as tentativas cada vez mais frequentes dos Estados de ampliar seus mecanismos de controle e rastreamento sobre a internet.

- Acho que ao redor do mundo as informações sobre indivíduos na rede vêm se acumulando em um ritmo apavorante. Pelo que entendo, os agentes de segurança do governo americano estão retirando diretamente do Google, da Amazon e de outras organizações comerciais registros de todas as transações feitas na internet. É uma ideia assustadora. Como cidadão, fico preocupado com o caráter Big Brother dessa vigilância estatal nesta era em que terrorismo parece uma desculpa para tudo.

Para ele, contudo, escândalos como a revelação do grau de vigilância exercido pela NSA americana sobre cidadãos e até mesmo líderes políticos não são os únicos exemplos do descontrole com que a questão está sendo tratada por Estados e governos sob a desculpa da segurança interna.

- Todos temos que lidar com a ameaça terrorista, é óbvio, mas penso que a reação nos EUA depois do 11 de setembro foi excessiva, e temo que a reação na França após os últimos ataques também venha a ser. E veja o que está acontecendo na Turquia, que está se transformando em uma ditadura de fato com um uso muito sofisticado da tecnologia.

Ao mesmo tempo em que se preocupa com o futuro das liberdades civis na esteira de um mundo cada vez mais interconectado, Darnton não deixa de pesquisar o século em que muitos conceitos ligados a essas liberdades surgiram. Ao longo de sua carreira como historiador, ele foi retornando, sempre com muito rigor e precisão, a novos ângulos de temas recorrentes. Ele analisou os requisitos necessários para a formação de um impressor na Paris do século 18 (em O grande massacre de gatos, no livro de mesmo nome); o sistema de trabalho de Joseph D'Hemery, inspetor de polícia responsável pela repressão aos livros e panfletos clandestinos (em Um inspetor de polícia organiza seus arquivos, ensaio do mesmo O grande massacre de gatos); a natureza e o conteúdo de muitos desses libelos clandestinos (em parte de O Diabo na água benta) e quais eram os livros alvo da censura oficial da monarquia (em Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária). Ele até analisou a Enciclopédia como um empreendimento comercial extremamente bem-sucedido (em O Iluminismo como negócio). Construiu, assim, um amplo "panorama literário" da França nos períodos imediatamente anteriores e posteriores à Revolução de 1789.

Censores em ação, seu livro mais recente lançado no Brasil, volta, em parte, a esse terreno, ao estudar os mecanismos da censura e seus efeitos na produção literária da França do século 18. Mas amplia a mirada fazendo uma comparação com outros dois momentos no tempo e no espaço: o domínio britânico na Índia e a Alemanha Oriental nos estertores do comunismo europeu. Ao fazer esse contraponto, Darnton vê no período em que a Grã-Bretanha dominou o Raj indiano um dos momentos mais contraditórios da história. Com uma ampla estrutura burocrática de censores responsáveis por analisar a literatura indiana do período, tanto em inglês como em dialeto, o governo inglês movido por valores liberais na matriz montou na colônia uma estrutura jurídica e burocrática que, em última análise, estava à serviço da manutenção do domínio pela força. É um tópico que, para ele, ainda ressoa nos dias de hoje:

- Há, de fato, uma tensão entre o que você poderia chamar de "valores liberais" das democracias do Ocidente, como liberdade de expressão, direito à privacidade e proteção contra prisões arbitrárias, e a necessidade que o Estado pensa ter de ignorar esses valores para melhor proteger seus cidadãos em tempos de crise. Quando comecei a pesquisa sobre a Índia britânica, o que foi há muito tempo, não havia essa ressonância tão forte. Hoje, com certeza é possível ver esse paralelo. A Índia alegava razões de segurança também para seu controle, para se defender de terroristas nacionalistas indianos. Hoje, podemos ver um paralelo desse dilema em uma escala muito mais ampla.

A censura do Estado sobre a literatura e a liberdade de opinião, centro do livro, é um tema que, de acordo com Darnton, precisará de novas abordagens na sociedade digital - com exemplos recorrentes de tentativas mais ou menos agudas de intervenção de Estados e governos sobre a circulação de informações e opiniões na rede:

- O ambiente digital é muito volátil. Como pesquisar a respeito das ferramentas de censura do universo digital, ou mesmo nos informarmos a respeito? A resposta não é clara. Mas alguns cientistas de computação, trabalhando com o que eles chamam de "big data", traçaram padrões de censura na internet exercida pela China, e eles chegaram a conclusões muito interessantes. Uma delas é que o governo chinês, acredite se quiser, não parece muito preocupado com opiniões críticas ao governo. O que eles de fato querem reprimir são a criação de grupos de oposição, ou rastrear mensagens que possam levar a reuniões de indivíduos, que sirvam para a mobilização das pessoas. Eles não querem uma nova Praça Tiannamen (a Praça da Paz Celestial).

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QUATRO LIVROS
Obras de Robert Darnton lançadas no Brasil depois de sua primeira palestra no Fronteiras do Pensamento, em março de 2007 

A QUESTÃO DOS LIVROS (2010)
Obra que dialoga com a palestra que Darnton deve ministrar em Porto Alegre. O acadêmico discute aqui a possibilidade de permanência do livro no mundo digital e os riscos de monopólio representados por gigantes online como Amazon e Google. (Tradução de Daniel Pellizzari. Companhia das Letras, 232 páginas, R$ 44,90 impresso e R$ 27,50 em e-book)

O DIABO NA ÁGUA BENTA (2012)
Um panorama da batalha entre as forças repressivas do Estado francês no século 18 e os autores de libelos anônimos com ataques sarcásticos aos governantes. Darnton rastreia os artifícios usados pelos autores, como publicar a partir do Exterior, e os esforços da polícia para desbaratar a rede. (Tradução de Carlos Alfonso Malferrari. Companhia das Letras, 632 páginas, R$ 82,90)

POESIA E POLÍCIA (2014)
Por meio de um episódio real, no qual uma operação policial foi lançada contra franceses acusados de organizar recitais sem autorização, Darnton acompanha a trajetória dos poemas populares que criticavam os poderosos com humor e musicalidade. (Tradução de Rubens Figueiredo. Companhia das Letras, 232 páginas, R$ 42,90 impresso e R$ 27,50 em e-book)

CENSORES EM AÇÃO (2016)
Darnton compara as estruturas de censura e de controle da literatura em três cenários: na França pré-revolucionária do século 18; na Índia dominada pelos britânicos no século 19 e na Alemanha Oriental pouco antes da queda do Muro de Berlim. (Tradução de Rubens Figueiredo. Companhia das Letras, 376 páginas, R$ 69,90 impresso e R$ 39,90 em e-book)


terça-feira, 23 de agosto de 2016

'A resposta está nos nativos digitais', diz o historiador Roger Chartier


Roger Chartier é professor de Collège de France, diretor na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales e professor visitante na University of Pennsylvania

Cinthya Oliveira | Hoje em Dia

Um dos mais prestigiados historiadores do mundo, o francês Roger Chartier nos mostrou que é possível conhecermos mais sobre a humanidade a partir das pesquisas sobre as relações entre os homens e os textos. O pesquisador é o convidado do projeto “Literaturas: questões do nosso tempo”, que será realizado nesta terça, no Sesc Palladium, dentro da programação comemorativa de cinco anos do centro cultural. 

Ao lado do historiador Robert Darnton (diretor da biblioteca da Universidade de Harvard), Chartier vai falar sobre os marcos e as transformações da prática literária desde a invenção do codex - manuscrito que substituiu o pergaminho. 

Por ter a história da leitura como foco principal de suas pesquisas, Chartier passou a ser muito estudado não somente por estudantes de História, mas também nos cursos de Educação e Letras. Com o Hoje em Dia, ele conversou sobre contemporaneidade e o impacto das novas tecnologias sobre a história da leitura. Confira.

Houve muitos fatos históricos que contribuíram para a popularização da prática de leitura ao longo do mundo moderno e contemporâneo, como a invenção da imprensa e a universalização do ensino. Com a tecnologia e a internet, vivenciamos novas mudanças. Quais contribuições e questões a revolução digital tem trazido à prática de leitura na contemporaneidade?

Para responder à sua pergunta, me parece que devemos pensar que a descontinuidade existe inclusive nas aparentes continuidades. A leitura diante da tela é uma leitura descontínua, segmentada, ligada mais ao fragmento que à totalidade. Não seria talvez, por esse motivo, a herdeira direta das práticas permitidas e suscitadas pelo codex? Esse último convida a folhear os textos, apoiando-se em seus índices ou mesmo a “saltos e cabriolas” - à “sauts et gambades” como dizia (o jurista Michel de) Montaigne. É o codex, e não o computador, que convidou a comparar diferentes passagens, como queria a leitura tipológica da Bíblia que encontrava no Antigo Testamento prefigurações do Novo, ou a extrair e copiar citações e frases, sentenças e verdades universais, assim como exigia a técnica humanista dos lugares comuns. Contudo, a similitude morfológica não deve levar ao engano. A descontinuidade e a fragmentação da leitura não têm o mesmo sentido quando estão acompanhadas da percepção da totalidade textual contida no objeto escrito, tal como propõe o codex, e quando a superfície luminosa da tela, onde aparecem os fragmentos textuais, sem nos deixar ver imediatamente os limites e a coerência do corpus (livro, número de revista ou de periódico) de onde foram extraídos. A descontextualização dos fragmentos e a continuidade textual, que não diferencia mais os diversos discursos a partir de sua materialidade própria, parecem contraditórias com os procedimentos tradicionais do aprender lendo, que supõe tanto a compreensão imediata como a percepção das obras como obras, em sua identidade, totalidade e coerência.

Conforme o tempo passa, mais leitores o mundo ganha. O Brasil, por exemplo, viu seu mercado editorial crescer muito nos últimos anos. Mas além da quantidade, a qualidade da leitura vem se transformando ao longo do tempo? 

A noção de “qualidade”  da leitura pode ser muito subjetiva. A questão mais essencial para mim é: como preservar maneiras de ler que construam a significação a partir da coexistência de texto em um mesmo objeto (um livro, uma revista, um periódico), enquanto o novo modo de conservação e transmissão dos escritos impõe à leitura uma lógica analítica e enciclopédica, onde cada texto não tem outro contexto além do proveniente de seu pertencimento a uma mesma temática? Estas perguntas têm relevância particular para as gerações mais jovens que, ao menos nos meios sociais com recursos e nos países mais desenvolvidos, têm se iniciado na cultura escrita através da tela do computador. Nesse caso, uma prática da leitura muito imediata e naturalmente habituada à fragmentação dos textos de qualquer tipo se opõe diretamente às categorias forjadas no século 18 para definir as obras escritas a partir da individualização de sua escrita, a originalidade da criação e a propriedade intelectual de seu autor. A aposta não é sem importância, pois pode levar tanto à introdução na textualidade eletrônica de alguns dispositivos capazes de perpetuar os critérios clássicos de identificação de obras como tal, em sua coerência e identidade, quanto ao abandono desses critérios para estabelecer uma nova maneira de compor e perceber a escrita como uma continuidade textual sem autor ou copyright, no qual o leitor corta e reconstrói fragmentos móveis e maleáveis.

A transformação digital também permitiu que todos se tornassem não apenas leitores, mas também produtores de textos, mesmo que isso aconteça apenas em redes sociais. Qual é o impacto disso em uma sociedade?

Me parece que devemos distinguir três modalidades da revolução digital. Primeiramente, a transformação dos textos que existem ou poderiam existir na forma impressa e o processo que construiu coleção digitais ou que geralmente fundamenta a edição digital. Em segundo, a criação de obras digitais irredutíveis na forma impressa, tanto obras de ficção multimídia quanto “livros” de saber que aproveitam as possibilidades hipertextuais e a coexistência entre textos, imagens e materiais sonoros. Em terceiro, a digitalização das experiências e conceitos mais fundamentais da existência humana. Com as redes sociais, são as noções de identidade, intimidade, amizade ou espaço público que se encontram profundamente redefinidas. Nunca devemos esquecer que as discussões sobre o livro, a edição ou a leitura (no sentido clássico) representam uma parte muito marginal da conversão digital de nosso tempo.

A história da leitura é estudada por meio dos vestígios deixados por leitores nos livros, como marcações nas margens, sublinhados e assinaturas. É possível imaginar como será o estudo dos historiadores no futuro, quando o foco do estudo estiver ligado ao século 21?

Também deixa vestígios a leitura digital (por exemplo as anotações compartilhadas, as discussões dos blogs ou dos “youtubers”, ou o que se escreve sobre as leituras nas redes sociais), mas é verdade que estes vestígios também são ameaçados pelo apagamento. E o mesmo com a escrita digital que deixa vestígios no computador, mas vestígios que não se podem comparar com os documentos utilizados pela crítica genética. Talvez para ajudar aos historiadores do século 21 seria útil multiplicar hoje pesquisas sociológicas, dados estatísticos e observações etnológicas sobre os leitores de hoje. 

Há dez anos, o senhor esteve no Fórum das Letras, em Ouro Preto, para realizar a conferência “A morte do livro”, em que tratava das possibilidades do futuro do livro como obra e do livro como material. O que mudou nestes dez anos sobre a sua percepção sobre o assunto?

Terminei esta palestra com uma incerteza. Hoje me parece ainda mais justificada. Por um lado, resiste o livro impresso no mercado do livro. Salvo nos Estados Unidos e no Reino Unido, a porcentagem dos livros digitais nas vendas de livros nunca supera 5%. Por outro lado, todas as “instituições” da cultura impressa se encontram num estado de crise. Na Europa livrarias desaparecem a cada dia, frente à concorrência dos supermercados ou da Amazon. No mundo todo, os jornais têm grandes dificuldades econômicas. E as bibliotecas conhecem a tentação de privilegiar as coleções digitais e afastar os leitores dos objetos impressos. Dentro da longa duração da cultura escrita, toda mudança (o aparecimento do codex, a invenção da imprensa, as várias revoluções da leitura) produziu uma coexistência original de objetos do passado com técnicas novas. Pode-se supor que, como no passado, os escritos serão redistribuídos entre os diferentes suportes (manuscritos, impressos, digitais) que permitem sua inscrição, sua publicação e sua transmissão. Resta, porém, o fato da dissociação de categorias que constituíram uma ordem do discurso fundamentada sobre o nome do autor, a identidade das obras e a propriedade intelectual e, de outro lado, o radical desafio a essas noções no mundo digital. Podemos pensar e esperar como Umberto Eco e Jean-Claude Carrière por um futuro no qual existiria uma coexistência das varias culturas escritas. Mas acho que a verdadeira resposta não está nos hábitos e desejos dos leitores que entraram no mundo digital a partir de suas experiências como leitores de livros impressos. A resposta pertence aos “digital natives” (nativos digitais) que identificam espontaneamente cultura escrita e textualidade eletrônica. São suas práticas da leitura e da escrita, mais do que nossos discursos, que vão decidir a sobrevivência ou a morte do livro, o apagamento do passado ou sua presencia perpetuada.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Conhecer o hábito de leitura vai levar à estabilização do mercado


ENTREVISTA

ROBERT DARNTON, historiador

Em 2009, o americano Robert Darnton, então diretor da Biblioteca de Harvard, lançou A Questão do Livro, uma coletânea de ensaios sobre passado, presente e futuro deste que é um de seus principais objetos de estudo. À época, o e-book ganhava força nos Estados Unidos e já chamava a atenção de editores de outros países. Aposentado há um ano, ele segue interessado no tema - tanto que entrega, na próxima semana, o original de A Literary Tour de France, sobre o livro e seu mercado no século 18, e será o principal nome do 6.º Congresso do Livro Digital, dia 25.

Nesta entrevista ao Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, ele atualiza algumas questões de sua obra e reafirma que o futuro será mesmo digital.

Há tempos o senhor pesquisa a história do livro. O que, deste momento que estamos vivendo, deve entrar para a história?

A mudança mais óbvia é a tecnológica. A internet transformou o modo como os livros são produzidos, vendidos e lidos. As mudanças que começaram em 1991, com o desenvolvimento da internet, são tão grandiosas quanto às da Era Gutenberg. E elas continuam. Não é exagero dizer que o mundo do livro está passando por sua maior transformação em 500 anos. É excitante e ameaçador para profissionais do livro, mas, para mim, é um tempo de grandes oportunidades.

Quando o senhor lançou A Questão do Livro, discutia-se o futuro do livro diante do crescimento do e-book - e os mais catastróficos falavam no seu fim. Lá se vão 7 anos e há quem fale, agora, na morte do livro digital. Como o senhor avalia esses últimos anos no que diz respeito às ameaças do digital ao físico e às ameaças da conjuntura ao digital?

As pessoas amam fazer declarações dramáticas como essas e sobre a obsolescência das bibliotecas, e isso entra na imaginação de outras pessoas. Mas são afirmações imprecisas. No geral, penso que a situação dos livros, impressos e digitais, é melhor hoje que há 10 anos. E também as bibliotecas, pelo menos nos EUA, estão num ótimo momento e se tornando mais importantes do que nunca. Sobre a morte do e-book, e eu só posso dizer isso por informações dos EUA, sabemos que a venda do digital diminuiu cerca de 10%. A estatística é acompanhada de outra informação interessante. Houve um aumento do número de livrarias independentes - e elas só vendem obras impressas. Podemos dizer que houve um revival do livro impresso, mas isso não sinaliza uma transformação para o mercado de e-books. Depois de um período de fascinação com o e-book, tudo está se estabilizando agora, o que quer dizer que a demanda é estável. Além disso, é provável que seja verdade que diferentes tipos de leitura requeiram diferentes tipos de livros. As pessoas estão lendo mais literatura light em e-readers e o impresso tende a atrair e estimular leituras mais profundas. Admito que o pensamento é simples. O que acontece é que se está tentando conhecer os hábitos de leitura. Como resultado, podemos ter uma espécie de estabilização do mercado no lugar do desaparecimento do e-book, que continua indo bem.

Então ainda não é o momento de desanimar?

Pelo contrário. Há informações de que a venda de um e-book pode favorecer a venda de sua versão impressa e isso é fascinante. Um dos problemas que todos os editores enfrentam é como fazer com que a informação sobre seu livro chegue ao leitor no cenário em que há menos revistas e jornais publicando resenhas e em que as livrarias podem exibir um número limitado de livros. Então ocorre um processo que chamo de degustação. As pessoas podem ler um pouco do livro online para decidir se vão comprar ou não. As editoras estão descobrindo que podem ganhar dinheiro oferecendo gratuitamente um livro na internet e depois vendendo o exemplar em livrarias. Não deve ser verdade sempre e nem em todos os lugares, mas é um exemplo de como podemos ser otimistas sobre o futuro do livro em geral.

Muito se discute, também, se a informação é assimilada de forma mais superficial.

Minha intuição é que as pessoas usam aparelhos eletrônicos para literatura de entretenimento, mas não é verdade que elas nunca os usam para ler literatura séria. O problema é que é muito difícil anotar em livros digitais. Além disso, o antiquado codex é uma das maiores invenções de todos os tempos e já provou o quão eficiente ele ainda é. Outra coisa interessante: descobrimos que, nos EUA, a venda de livros impressos aumentou e que algo como 310 mil novos títulos foram lançados no ano passado nos EUA; de e-books, foram cerca de 700 mil, e muitos deles eram gratuitos. Isso quer dizer que as pessoas estão publicando mais porque é mais fácil. Temos uma democratização do mundo dos autores e dos leitores. As coisas estão mudando de um jeito muito interessante.

O fato de os e-books serem mais baratos ou gratuitos desvaloriza o produto ou ajuda a promover o acesso à leitura?

Há alguma verdade nisso de as pessoas não valorizarem o que podem ter gratuitamente. Mas o que acontece é que um público mais amplo está tendo acesso a livros graças a plataformas de acesso livre e às novas tecnologias. Um bom exemplo é o projeto SimplyE, parceria entre a Biblioteca Pública de Nova York e a Biblioteca Pública Digital da América. Ele torna livre o acesso a livros por crianças e jovens ao redor do país. Pessoas de áreas mais pobres podem, agora, ter livros gratuitamente e ler. Editores querem seus títulos no projeto porque ele vai espalhar o hábito da leitura. E mais: as editoras não estão perdendo dinheiro porque essas pessoas não compravam livros. O público leitor está sendo ampliado graças ao livro digital.

Como o senhor vê o mercado editorial hoje?

Não há muita diferença entre os livros que estão sendo publicados hoje e os do passado. A leitura está se tornando mais superficial com a disseminação do e-book? Bem, talvez sim, talvez não. Alguns dos argumentos não me convencem, sobretudo o que finge ser baseado em artigos científicos sobre como o cérebro funciona. Dizem que ler coisas online e nos tablets nos deixa mais burros. Honestamente, não acho que já sabemos como o cérebro funciona para termos uma certeza assim.

É preferível ler qualquer coisa a não ler nada?

Uma vida sem leitura é triste. E não lendo nada seríamos cortados de boa parte de nossa cultura. A importância de democratizar o acesso por meio da internet me parece central.

Como fazer isso?

Deveria haver mais apoio público às bibliotecas e elas deveriam se tornar centros eletrônicos de difusão da literatura. Fácil de dizer, difícil de executar. O potencial está lá. Alguém deve assumir a liderança e convencer governos a dedicar mais atenção a isso. Não se trata de uma ideia ingênua. Estamos descobrindo que podem haver consequências econômicas se tivermos maior e melhor acesso a livros e artigos.

IstoÉ
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Para historiador Roger Chartier, e-book jamais substiuirá livro físico

Francês vem ao Brasil para o 6º Congresso do Livro Digital em agosto

por Leonardo Cazes | O Globo

‘O mundo digital não é um mundo de livros, não é nem sequer um mundo de jornais ou revistas’, diz Chartier - Divulgação

No dia 25 de agosto, o francês Roger Chartier, professor do Collège de France e pesquisador da história do livro e da leitura, vai abrir o 6º Congresso do Livro Digital, organizado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), em São Paulo, ao lado do americano Robert Darnton. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, o historiador afirma que primeiro é preciso definir o que se entende por livro digital para depois compreender os seus impactos. Chartier explica que há dois tipos de publicação: aquela que é a pura reprodução da forma impressa e a que não poderia existir em outro formato, ao unir texto, imagem, áudio e vídeo. Feita a definição, o professor aponta os desafios impostos pela revolução tecnológica às categorias da economia do livro, surgidas no século XVIII, e concorda que nunca se escreveu e leu tanto como agora. Contudo, ele diz não acreditar que os livros digitais, independentemente de que tipo forem, sejam capazes de tomar o lugar dos impressos.

— Quando discutimos o livro digital, em geral discutimos a forma digital de algo que já existe. Esse me parece o tipo mais relevante para o mercado editorial — diz Chartier. — Do segundo tipo ainda não temos muitos exemplos concretos. Seja no campo da ficção ou das ciências humanas, é algo muito marginal. De qualquer forma, não vejo nenhum dos dois em posição de tirar a hegemonia do livro impresso.

O senhor já disse que o futuro dos livros passa pela oposição entre comunicação eletrônica e publicação eletrônica. Por quê?

É preciso matizar essa oposição. A comunicação eletrônica é todo texto enviado pela via eletrônica, seja uma opinião, uma poesia ou um romance. Quando essa tecnologia foi desenvolvida, dizia-se que cada um poderia ser seu próprio editor. A morte do editor era prometida pela possibilidade de fazer circular e tornar público qualquer texto na forma digital. O conceito de edição, tal como definiu Robert Darnton, incluía a formação de um catálogo, a política editorial, a preparação dos manuscritos, que permitiam a construção de uma obra melhor, uma publicação.

Os e-books ainda respondem por uma parcela pequena do mercado. Isso tende a mudar?

É preciso relativizar a baixa participação dos e-books no total de vendas de livros. Se ela se mantém em uma porcentagem marginal num país como a França, de 3%, é porque há novas formas de edições digitais, comercializadas por subscrição ou que não possuem um número de ISBN (International Standard Book Number), e assim não estão visíveis nas estatísticas. Então, hoje o que há é uma forma intermediária entre a comunicação, que é a forma de fazer circularem textos em meio digital, e a publicação tradicional, que consiste numa série de intervenções sobre o texto.

Os entusiastas da revolução tecnológica defendem que nunca escrevemos e lemos tanto como agora, na era da internet e das redes sociais. O senhor, como historiador, concorda?

Sim, mas o ponto fundamental ao discutirmos o livro eletrônico é entender que ele é algo muito marginal no mundo digital. O mundo digital não é um mundo de livros, não é nem sequer um mundo de jornais ou revistas. É um mundo da digitalização das relações entre os indivíduos e da digitalização da relação dos indivíduos com as instituições. Quando você me diz que nunca se escreveu tanto como agora, é porque muitas formas de comunicação, como a telefônica, se transformaram em práticas digitais escritas. Já a digitalização das relações humanas muda noções muito antigas como a amizade, a intimidade e a individualidade. E nós também vivemos num mundo econômico, com as suas técnicas burocráticas, os formulários, a multiplicação das formas de relacionamento com as instituições. Por isso é muito importante discutir a cultura escrita, seja científica ou ficcional, no campo digital, mas nunca podemos nos esquecer de que ela é muito marginal. A gente, que lê, escreve e publica livros, tem a tentação de esquecer isso.

O texto digital traz uma flexibilidade. Quais as consequências disso para a organização do conhecimento?

Essa flexibilidade é uma maravilha e um perigo. É uma maravilha porque permite uma comunicação em que o texto é aberto às intervenções do leitor, em um processo contínuo de criação textual que cria não autores tradicionais, mas comunidades digitais de autores e editores. O perigo, por outro lado, é que esse tipo de texto aberto, maleável, vai contra as categorias definidas desde o século XVIII na economia dos textos: o autor, o reconhecimento da originalidade da obra, que é a condição do copyright, a propriedade literária. Esses três impérios — do autor, da originalidade e da propriedade — são transformados ou apagados no mundo digital flexível que descrevemos. Aí uma questão se coloca: é possível introduzir no mundo digital esses conceitos? Vemos toda a resistência das comunidades digitais à propriedade intelectual.

Grandes empresas dominam o mundo digital, como o Google e a Amazon. O senhor vê algum risco aí?

Hoje há o problema da compra digital de um livro em papel. Apesar da participação pequena de livros eletrônicos nas vendas, as “instituições” da cultura impressa estão em dificuldades. As livrarias, por exemplo, enfrentam a concorrência da Amazon. É uma contradição. Já em relação ao Google, há dez anos havia um embate entre os autores e a empresa, que tinha um projeto de construir uma biblioteca digital universal e não se preocupava muito com direitos autorais. O Google mais ou menos abandonou esse projeto, mas suas iniciativas recentes vão no sentido da digitalização dos textos, das práticas e das relações. Isso ilustra a relação entre a digitalização da cultura escrita e o mundo social.


segunda-feira, 14 de março de 2016

Escravos da tecnologia


Como será o mundo quando não houver ninguém que nasceu antes da internet? A pergunta é respondida pelo jornalista Michael Harris em seu último livro

por Bárbara Nór | Você S/A

Quando ainda trabalhava como editor de revistas, o jornalista canadense Michael Harris ficava conectado a diversas telas. Como todos nós, ele estava escravizado pelo computador, pelo celular e pelo e-mail. Um dia, notou que algo faltava: não tinha mais um minuto sequer de ausência. Ou seja, nunca se distanciava de nada porque se mantinha constantemente conectado ao que estava acontecendo longe dele. Constatar essa atitude o angustiou e, a partir daí, Michael tomou uma decisão radical: demitir-se. O desafio era voltar aos anos 1980 e ficar longe do smartphone e da internet por um mês. Esse exercício o fez pensar sobre o impacto que o uso constante da internet tem na nossa forma de ver as coisas e de trabalhar. E ele se perguntou como seria a sociedade quando não houvesse mais ninguém que tivesse visto o mundo antes da internet. A indagação deu origem ao livro The End of Absence (O Fim da Ausência, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil). Em entrevista à Você S/A, Michael comenta sobre nossa dependência da conectividade.

Você começa o livro se perguntando como será o mundo quando só houver pessoas digitalmente nativas, que nunca viveram o mundo analógico. Qual seria sua resposta para isso hoje?

Em 2060, toda a força de trabalho mundial será formada por pessoas para quem a internet é como a atmosfera, algo que existe e é usado sem nem pensar a respeito. Vejo duas possíveis consequências: se tivermos azar, esses futuros trabalhadores terão perdido inteiramente formas anteriores de pensamento e de comunicação. Viverão em um mundo acelerado, que os empurra continuamente para o pensamento coletivo e para estímulos rápidos. Mas, se tivermos sorte, então, essas pessoas terão sido capazes de preservar algumas coisas da era pré-internet. Nesse segundo cenário, profissionais poderão escolher ativamente os meios de atuação - digital ou não - e formas de pensamento que melhor se encaixam com cada situação. É a diferença entre uma vida passiva e uma ativa, entre deixar a tecnologia para formar a cultura. Claro, estou sendo extremista aqui, a realidade deve ser uma mistura dos dois cenários.

Para testar a experiência da desconexão, você resolveu se demitir e adotar uma rotina totalmente analógica. Teria sido possível chegar às conclusões a que chegou em seu livro se tivesse continuado no ambiente corporativo?

Talvez não. Não é possível enxergar a nós mesmos estando tão imersos em nossa vida. Temos que balançar as coisas. Por isso, é tão importante conseguir uma pausa da conectividade constante. Esse exercício ajuda a se descolar da sua vida e funciona da mesma maneira que fazer uma viagem: você não pode realmente conhecer a cidade em que cresceu antes de ter visitado outras no mundo. E você não pode realmente saber o que a internet faz com sua mente até que tenha tentando outros estados mentais.

"O que é importante lembrar é que a tecnologia em si nunca é boa ou má." Michael Harris

Hoje em dia, as pessoas acabam passando entre oito e 12 horas nas empresas, quase sempre usando tecnologias digitais, o que pode tornar difícil se desconectar fora do trabalho. Como seria possível tentar retomar o sentimento de desconexão e ausência quando nossos empregos demandam o contrário?

O ambiente de trabalho atual criou uma expectativa de disponibilidade perpétua. Isso chega ao ponto de fazer com que muita gente tenha pânico de tirar férias - 40% dos americanos não usam todos os seus dias de folga, por exemplo. Acho que disseminar esse sentimento de estar ausente é possível, mas somente se nossos empregadores nos ajudarem. Por exemplo, por que não criar contas de e-mails corporativos que não podem ser acessadas durante as férias? Afinal, a única razão pela qual checamos mensagens nas férias é porque sabemos que os outros sabem que podemos checá-las.

Não estar disponível o tempo todo não pode ser visto como uma forma de rebelião pelos empregadores?

Eu fui muito sortudo porque pude tirar um mês inteiro para ficar offline e sem nenhum contato com o celular. Mas a maior parte das pessoas perderia seu emprego se tentasse algo parecido. No entanto, eu acho que as pessoas precisam de menos conexão do que pensam. Passamos pelo menos conexão do que pensam. Passamos pelo menos metade do tempo checando o e-mail, é como uma compulsão nervosa. Dizemos a nós mesmos que somos bons funcionários, mas na verdade estamos só evitando as coisas, estamos procurando por algum tipo de doce virtual. Na verdade, esse compulsão por e-mails não melhora o trabalho, pelo contrário, diminui nossa produtividade. Estudos mostram que nós levamos de dez a 15 minutos para retomar o ritmo cada vez que checamos a caixa de entrada.

Qual foi sua maior surpresa durante as pesquisas para o livro?

Descobrir como nossa ansiedade a respeito de nossa vida online é recorrente historicamente. O filósofo Sócrates, por exemplo, se preocupava sobre como a invenção da escrita iria tornar nossos cérebros menos menos eficientes. O que é importante lembrar é que a tecnologia em si nunca é boa ou má. Nossas tecnologias são, ao mesmo tempo, belas e perigosas. Se formos preguiçosos, vamos nos machucar. Se nos mantivermos curiosos e de olhos abertos, vamos continuar enriquecendo nossas vidas.


The End of Absence
Michael Harris
Editora:  Current
Preço: R$ 65,00 na Amazon Brasil


segunda-feira, 29 de junho de 2015

História da República contada pela música brasileira

Série de três livros mapeia a produção musical do País com inspiração em personagens e acontecimentos políticos

Renomado comentarista político, Franklin Martins está lançando Quem foi que inventou o Brasil?, série de três livros que recontam 101 anos de história da República no país pelas músicas inspiradas em episódios e personagens políticos. 

O primeiro livro reúne 473 canções e refletem acontecimentos desde 1902, ano das primeiras gravações fonográficas no país, até o golpe militar de 1964. O segundo volume, aborda o período de ditadura, com cerca de 310 fonogramas. O terceiro vai de 1975 a 2002 e apresenta quase 330 gravações. Todo o acervo pode ser escutado no site quemfoiqueinventouobrasil.com

Fruto de pesquisa minuciosa, os livros, além de contextualizarem as canções e suas inspirações, são ricamente ilustrados com material de época (fotos, charges, recortes de jornais e revistas etc.). Em entrevista ao Portal Brasil, Franklin Martins conta bastidores de Quem foi que inventou o Brasil?  

Como começou esse interesse pelo assunto?

Em 1997, eu botei no ar o site Conexão Política. Uma das seções se chamava Estação História, onde às vezes eu disponibilizava trechos de discursos políticos históricos e músicas sobre política. Fui descobrindo várias músicas com essa temática, muitas delas pré-1964. Isso me impressionou e fui pesquisando mais. Começou como uma curiosidade e virou uma obsessão. Comecei pelo passado. Me interessava, especialmente, aquilo que eu não conhecia, como músicas das primeiras décadas do século 20. 

Como foi feita a pesquisa?

O livro não existiria sem a internet. Fui fazendo vários contatos e estabelecendo uma rede muito grande de colaboradores, o que me permitiu acesso a muitas músicas e a uma base de dados à distância. Caso da Discografia Brasileira de 78 rpm, site que cataloga músicas gravadas no Brasil entre 1902 e 1964, com fichas técnicas, nomes dos autores e gênero musical; do Disco de Cera, com a base de dados do Acervo Nirez; da Fundação Joaquim Nabuco, o Instituto Moreira Salles, entre outros. 

Na sua avaliação, como estão os acervos que conservam a memória nacional?

Acho que para a pesquisa da música está bem organizado. Mas sempre digo que não sou musicólogo - eu não estudei os arquivos, eu recorri a eles. Entretanto, muitas coisas eu não encontrei nos institutos, só consegui em coleções particulares, como música caipira, por exemplo. Mas de 1985 para frente não temos uma base de dados do que foi lançado no Brasil - e ter isso seria muito importante. 

O que te surpreendeu com a pesquisa?

A principal surpresa foi a constância desse assunto na música brasileira ao longo dos anos. Não tem fato que não tenha sido cantado no calor do momento. E isso não é muito comum em outros países. Lá fora, a música geralmente refletem a política em tempos de grandes crises, guerras ou revoluções. É uma produção de caráter engajado, mas que depois declina. No Brasil, essas músicas não são necessariamente engajadas, funcionam mais como uma crônica. Isso é uma tradição brasileira. O carnaval, por exemplo, é uma grande crônica - com traços do teatro de revista - de assuntos e personagens da história brasileira. A segunda constatação é que a música de inspiração política apareceu no Brasil em todos os gêneros musicais: lundus, maxixes, marchinhas, sambas, modas de viola, hinos, baiões, MPB, rocks, funks, raps, reggaes... 

A pesquisa rendeu três volumes, o terceiro chega até 2002. Se fosse lançado um quatro volume, acha que encontraria muitas músicas com essa temática?

Tenho certeza que sim. Pode até parecer que elas não existem mais, mas é que a música ficou muito segmentada. Se pegarmos a década de 1990, já percebemos uma grande mudança, uma segmentação maior de estilos musicais e uma fragmentação dos antigos esquemas de divulgação e veiculação de música. Se nos anos 1970 era principalmente a MPB quem refletia a política na música, e nos anos 1980, o rock - que têm um diálogo maior com a classe média -, a partir dos anos 1990, vemos a política aparecendo em músicas feitas e consumidas pelas camadas mais populares, caso do funk e do rap, por exemplo. O disco Sobrevivendo no Inferno (1997), dos Racionais MC’s, vendeu mais de 1 milhão de cópias sem apoio do esquema tradicionais de divulgação. Hoje em dia, a produção independente de um disco é muito mais fácil. 

Teve alguma música que você não conseguiu encontrar?

Sim, Seu Derfim tem que vortá, um cateretê de 1919 sobre o ex-presidente Delfin Moreira, que teve uma doença que lhe impediu de continuar no cargo. Tenho a letra, sei que existe a partitura, mas não consegui achar a gravação. 




Fonte: Portal Brasil

sexta-feira, 19 de junho de 2015

10 perguntas a Jimmy Wales, o fundador da Wikipédia

Wikimedia Commons/Joi Ito

 Marina Demartini, de Exame | Info

Amado pelos estudantes da era digital, Jimmy Wales, o fundador da Wikipédia, veio ao Brasil para fazer uma palestra no principal evento de tecnologia bancária do Brasil, a Ciab Febraban.

Durante a conferência, Wales falou sobre seu novo projeto, o The People’s Operator (TPO), uma operadora virtual de telefonia móvel. Segundo ele, o diferencial da empresa é que ela doa 10% do dinheiro pago pelo usuário para instituições de caridade. Além disso, 25% do lucro mensal do TPO é doado para uma boa causa.

Claro que Wales também falou sobre a Wikipédia na palestra. Um dos dados que mais chamou a atenção do público foi a informação de que 87% dos colaboradores voluntários que editam os artigos da Wikipédia são homens. “Nós consideramos isso um grande problema”, disse Wales no evento.

Ele acredita que as mulheres não participam da comunidade, pois a plataforma de edição é voltada para um público mais especializado. “As mulheres nunca foram incentivadas a trabalhar na área da tecnologia e da programação. Por isso, elas não se sentem preparadas para editar os artigos. Mas nós queremos mudar isso", criticou Wales.

Ao site Exame.com, Wales falou sobre plataformas móveis, censura, desenvolvimento da tecnologia nos países em desenvolvimento e o futuro da Wikipédia e da internet. De acordo com ele, atualmente, o Wikipédia está disponível em 287 línguas e é o quinto site mais popular do mundo.

Confira abaixo a entrevista:

A Wikipédia, criada em 2001, já é uma adolescente de 14 anos. Você sempre teve a certeza de que a Wikipédia seria um sucesso?

Bom, eu sempre falo que eu sou uma pessoa patologicamente otimista. Eu sabia que poderia ser algo muito grande, mas nunca imaginaria que a Wikipédia seria o 5º site mais popular do mundo e lido mensalmente por mais de 500 milhões pessoas em todo o planeta.

Como a Wikipédia se adaptou aos smartphones e tablets?

Foi um desafio interessante para nós, pois se tornou uma área de crescimento intenso na Wikipédia. O nosso maior problema foi que, apesar de ser ótimo ler artigos da Wikipédia no smartphone, contribuir com informações (ser um voluntário) a partir do seu smartphone é complicado. É difícil escrever frases e textos longos em um dispositivo pequeno.

Esse é um desafio ainda maior em países em desenvolvimento, pois a maioria das pessoas está começando a utilizar a internet agora e o dispositivo mais utilizado é o smartphone. Assim, a experiência dessas pessoas com os dispositivos móveis é mais focada na leitura e não na produção dessas informações. No entanto, eu acredito que esse é um fenômeno temporário, pois as pessoas não vão parar de usar computadores.

O número de leitores e voluntários aumentou desde o uso intenso dos celulares?

O número de leitores sempre está aumentando no mundo todo. No entanto, o número de voluntários está estável nos últimos anos (cresceu em alguns países e diminuiu em outros). Isso não é um problema para nós, pois nunca foi nosso objetivo ter uma quantidade enorme de voluntários. Nós queremos ter o mínimo de colaboradores para que a comunidade da Wikipédia continue saudável, feliz e bem informada.

A maioria das escolas e universidades no Brasil rejeita o uso da Wikipédia para trabalhos acadêmicos. Qual é a sua opinião sobre isso?

Eu acho que existem dois lados. Nós da Wikipedia acreditamos que, se você está na universidade, você não deveria utilizar a Wikipédia como a fonte principal do seu trabalho. É simples: você está na universidade, você pode fazer muito mais do que isso.

Eu diria a mesma coisa se você utilizasse uma enciclopédia tradicional. Pois, pesquisar algo em uma enciclopédia para escrever um trabalho acadêmico é aceitável para uma criança de 12 anos. No entanto, uma vez que você não tem mais essa idade, você não deveria usar uma enciclopédia ou a Wikipédia dessa maneira.

O que você diria aos professores que rejeitam a utilização da Wikipédia dentro da escola ou da universidade?

Eu diria para os professores que todos os estudantes estão usando a Wikipédia. Assim, o que nós deveríamos ensinar a esses alunos é como usar a Wikipédia e explicar quais são os pontos fortes, os pontos fracos, a maneira certa e a errada de utilizar o site.

Qual é o futuro da Wikipédia?

O que vai melhorar e evoluir dentro da Wikipédia pode ser invisível para o público em geral. Um dos exemplos é o crescimento da Wikipédia em línguas menos conhecidas, como o Guarani. Existem, atualmente, 2.988 artigos na língua Guarani. Assim, se você fala português e inglês, você provavelmente não vai notar essa diferença.

Outro exemplo de mudança é o visual da ferramenta de edição da Wikipedia. Nós estamos trabalhando em um projeto para modernizar essa função para que pareça mais familiar para mais pessoas. Nós queremos diversificar a comunidade que edita e colabora com os artigos dentro da Wikipédia. Essa é nossa prioridade número um.

Existe algum país que censura a Wikipédia? Como vocês lidam com isso?

Vários países em todo mundo censuram a Wikipédia em grande ou baixa escala. Normalmente, eles bloqueiam determinadas páginas em sua rede de internet e isso faz com que ninguém possa ler os artigos que estão nessas páginas.

Como nós lidamos com isso? Nós nunca cooperamos com a censura. Nós nunca fizemos isso e nunca iremos fazer. Segundo, nós pressionamos os governos que querem nos censurar para que eles não bloqueiem a Wikipedia. Nós tentamos conscientizar esses políticos sobre as questões relacionadas à censura ao redor do mundo. Nós fazemos o que podemos, pois o acesso à informação é um direito fundamental de qualquer ser humano e nós não podemos ficar de braços cruzados.

Qual é a sua opinião sobre a evolução da tecnologia da informação em países em desenvolvimento, como o Brasil?

Nós estamos vivendo a diminuição dos preços de certas tecnologias, como os smartphones. Além disso, pessoas em todo o mundo estão experimentando uma banda larga cada vez mais rápida e de boa qualidade. Assim, os preços baixos e a boa qualidade da internet terão um grande impacto na distribuição de informações. Logo, todos os habitantes da Terra terão acesso à internet pelo smartphone, pois eles estão ficando cada vez mais baratos. Grandes exemplos disso podem ser vistos na África.

Qual é a sua opinião sobre o Facebook Lite e outros apps que diminuíram o peso dos gráficos e dados de suas plataformas em dispositivos móveis para os países que não possuem uma internet rápida?

Muitos sites já fazem isso. Na Wikipédia, nós já diminuímos o download de dados pesados para plataformas móveis. O grande problema dos países em desenvolvimento é que os smartphones ficaram baratos, mas a banda larga ainda é muito lenta.

Nós queremos dar as informações básicas para essas pessoas que podem comprar smartphones e não possuem uma internet de qualidade. Para isso acontecer, nós fornecemos artigos e informações sem imagens, com imagens de baixa qualidade ou imagens que aparecem apenas se você clica em determinado lugar.

Além disso, nós criamos o Wikipedia Zero, um projeto que tem o objetivo de fornecer acesso à Wikipédia gratuitamente em telefones celulares, especialmente em mercados emergentes. Nós queremos reduzir as barreiras do acesso ao conhecimento livre e eliminar o custo do acesso a essa informação. Alguns países como a Índia, o Sri Lanka e a Jordânia já utilizam o Wikipedia Zero.

Qual será o papel da tecnologia no desenvolvimento cultural, político e social do mundo?

Nós vivemos em um mundo em que a informação não tem barreiras, ou pelo menos não deveria ter. Eu acredito que a tecnologia é uma ferramenta muito poderosa para nós termos, algum dia, a paz mundial. Se você conhece e é amigo de pessoas que são de outros países, vai ser bem difícil para os líderes mundiais e os políticos lhe convencerem que nós devemos desumanizar ou matar essas pessoas. Assim, a possibilidade de conhecer indivíduos de todo o mundo é algo extremamente poderoso e eu estou otimista de que a tecnologia vai ajudar a trazer paz para o mundo.